LENDO A PREDESTINAÇÃO COM AS LENTES DA PRESCIÊNCIA
“Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade...”.
“Nele fomos também escolhidos tendo sido predestinados conforme o plano daquele que faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade” (Ef 1.4,5;11).
Os
três versículos supracitados formam a base clássica calvinista para
assegurar que Deus, em Sua inquestionável soberania, já escolheu alguns
para receberem o céu por prêmio, e os demais eleitos para a exclusão
desse céu, predestinados ao inferno.
Tais
afirmativas focadas em textos isolados levam invariavelmente a
conclusão de que a Bíblia é contraditória. Como conciliar tais
declarações acima com os versículos que indubitavelmente afirmam que o
Pai celeste não faz acepção de pessoas, que nEle não há parcialidade,
ou com os textos que dizem que Deus ama a todos os homens e não quer
que nenhum se perca, que Deus ofereceu gratuita e graciosamente a
salvação ao mundo inteiro?
Simplesmente
não há possibilidade de encontrar solução! Ou Deus ama a todos ou
Deus ama alguns que foram escolhidos para a salvação. Acreditar que
Deus ama a todos e prova isso escolhendo alguns para salvar é um
contra-senso que beira a insanidade. Se os versículos de Efésios são
suficientes para a compreensão das mecânicas da redenção, somos
forçados a dizer, por exemplo, que Pedro mentiu ao escrever que Deus é
paciente, não querendo que ninguém pereça, mas que todos cheguem ao
arrependimento (2 Pe 3.9b). Somos obrigados a afirmar que os registros
de Jo 3.16; 1 Tm 2.4; 1 Tm 2.6; Tt 2.11; 1 Jo 2.2; 1 Jo 4.14 estão
errados.
Daí
o perigo de se estabelecer doutrinas baseadas em um ou poucos
versículos, mormente versículos difíceis ou mesmo obscuros, razão da
existência da tantas seitas, realidades residuais da rebeldia com
eficiência única para levar adeptos ao afastamento das verdades
reveladas nas Escrituras e ao eterno banimento da presença de Deus.
Chegou
o momento de esclarecer as discrepâncias a partir de um
questionamento intelectualmente honesto. As contradições
escriturísticas são apenas aparentes, ou para além da superfície,
estão num nível profundo? Erros humanos grosseiros num livro
divinamente inspirado, ou nada disso?
Equalizando as contradições
Os
calvinistas usam também o capítulo 9 de Romanos para validar sua
visão de mundo dos favoritos de Deus. Utilizam por exemplo Rm 9.11-16. Acompanhe:
"Todavia,
antes que os gêmeos nascessem ou fizessem qualquer coisa boa ou má - a
fim de que o propósito de Deus conforme a eleição permanecesse, não
por obras, mas por aquele que chama - foi dito a ela: "O mais velho
servirá ao mais novo".
Como está escrito: "Amei Jacó, mas rejeitei Esaú”.
E então, que diremos? Acaso Deus é injusto? De maneira nenhuma!
Pois
ele diz a Moisés: "Terei misericórdia de quem eu quiser ter
misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão"
Portanto, isso não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus".
Fica
a pergunta: acaso o texto diz que Deus elegeu Jacó para mandá-lo para
o céu e Esaú para enviá-lo o inferno? Não diz o texto que o a eleição
tinha o propósito explanado na frase “o mais velho servirá ao mais
novo”? O texto não teria relação com a escolha de um povo por meio do
qual viria o Messias e não seria Jacó o pai das doze tribos desse povo?
É
claro que Deus teria que eleger um povo de onde viria o salvador da
humanidade e uma pessoa para ser o progenitor dessa raça. E aqui sim
entendemos com clareza como atua a soberania divina, em contraposição
ao esforço ou desejo humano. Deus é quem determina a eleição de um povo
a respeito do qual está escrito “a salvação vem dos judeus”.
Algumas versões da Bíblia traduzem a frase “Amei Jacó, mas rejeitei Esaú” como “Amei a Jacó, e odiei a Esaú”. Aqui o apóstolo Paulo toma de empréstimo as expressões do livro de Malaquias 1.3. No caso do último livro do AT o contexto retrata a nação de Israel (Jacó) em contraposição à nação de Edom (Esaú).
Saindo
do isolamento desértico de versículos - deixo essa característica
para as seitas - e contextualizando com toda a Bíblia, evidentemente
Deus não odeia ninguém porque Deus é amor (1 Jo 4.16). Segundo,
em Malaquias, Deus não está falando da pessoa Esaú, mas da nação
proveniente dele, Edom. Sobre a questão, o raciocínio de Norman
Geisler, um dos mais renomados eruditos cristãos - e de Thomas Howe -, é
pertinente e digna de aceitação:
“A
nação de Edom merecia a indignação de Deus pela ‘violência feita a
teu irmão [Israel]’ (Ob 10). Eles se posicionaram ao lado dos inimigos
de Israel, fecharam o caminho por onde poderiam escapar, e até mesmo
entregaram aqueles que tinham permanecido (vv. 12-14).
Finalmente,
como no caso dos nicolaítas, Deus odeia as obras do pecador, mas não o
pecador em si. João diz aos crentes que eles devem odiar as obras dos
nicolaítas, as quais Deus também odeia (cfAp 2.6)”. (Manual Popular
de Dúvidas, Enigmas e Contradições da Bíblia, p. 331).
Como
Geisler, muitos eruditos cristãos entendem que, na carta aos Romanos,
Paulo está lidando com eleição nacional e não individual. De todo
modo o texto de Rm 9.11-16 não têm nada que ver com Deus eleger alguns para o céu e a maioria para o inferno.
Outro texto favorito dos calvinistas é Romanos 9.18: “Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer”.
Novamente
o texto relaciona-se ao cumprimento dos propósitos de Deus aqui na
terra, só. Relacioná-lo a predestinação de alguns para o céu e outros
para o inferno é estultícia.
Um texto adicional usado pelos predestinacionistas fatalistas é Rm 9.20-22:
"Mas
quem é você, ó homem, para questionar a Deus? Acaso aquilo que é
formado pode dizer ao que o formou: 'Por que me fizeste assim?’
O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso?
E
se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder,
suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a
destruição?"
Também
não está relacionado ao exemplo de alguém que estava predestinado a
ir para o inferno antes mesmo de nascer, não podendo questionar a Deus
sobre esse destino infeliz. Esse trecho precisa ser contextualizado
com o capítulo 2 do livro de Romanos, por exemplo, Rm 2.4.
Deus não exerce sua liberdade de escolha, de decisões,
arbitrariamente. Deus demonstra grande paciência com o vaso para uso
desonroso, objeto da sua ira, com a finalidade de levá-lo ao
arrependimento. Mas a paciência e a bondade de Deus podem ser
rejeitadas.
Presciência: a chave para a compreensão da predestinação
Por
fim, felizmente, encontramos na Bíblia versículos que encerram as
contradições. O fator determinante é o pré-conhecimento ou presciência
de Deus. Nos versículos subseqüentes, preste atenção nas palavras em
negrito.
O primeiro texto é Romanos 8.29,30:
“Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou
para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o
primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou”.
O segundo texto é 1 Pe 1.1,2:
“Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos eleitos de Deus, peregrinos dispersos no Ponto, na Galácia, na Capadócia, na província da Ásia e na Bitínia, escolhidos de acordo com o pré-conhecimento de Deus Pai,
pela obra santificadora do Espírito, para a obediência a Jesus Cristo
e a aspersão do seu sangue: Graça e paz lhes sejam multiplicadas”.
A
Bíblia não poderia ser mais clara. Tudo se baseia no pré-conhecimento
de Deus. Vasos para honra ou desonra, vasos de ira, preparados para
destruição, eleitos... tudo é determinado pela antevisão dos fatos e
pessoas. Deus é onisciente, para Ele passado e futuro é sempre
presente. Deus sempre soube quais seriam as pessoas que rejeitariam a
salvação e quais se renderiam a Ele em arrependimento e as
predestinou: Aquelas que Deus previu, antes da existência do Universo,
que iriam rejeitá-lo, as preparou para serem vasos de ira e desonra. E
Deus providenciou para que, aquelas que por vontade própria seriam
receptivas ao evangelho, fossem alcançadas pelas boas novas do reino;
essas que não resistiriam ao chamado foram predestinadas para serem
vasos de honra para a salvação eterna. Tudo se fundamenta na
presciência. O chamado para salvação é para todos, porém somente são
salvos os que aceitam tal chamamento.
A
palavra de Deus é realmente fantástica, deixou dois registros
objetivos para conciliar as aparentes contradições entre os versículos
que parecem afirmar que Deus escolhe arbitrariamente quem vai para o
céu e, portanto só amando alguns, com os textos que dizem que Deus ama a
todos, não desejando que nenhum morra, mas que todos se arrependam,
posto que o sacrifício de Cristo na cruz foi em prol de todo o mundo.
Aqueles
que de antemão conheceu seriam aqueles que Deus anteviu que ao ouvir
Sua voz não endureceriam o coração; seriam aqueles que ao ouvir a
batida de Jesus na porta do coração, abririam a porta; esses, Deus
conheceu, predestinou, justificou e glorificou. São os escolhidos
conforme o pré-conhecimento de Deus Pai.
“Deus,
de forma clara, certificou-se de que o evangelho seria apresentado a
todos que Ele sabia que creriam em sua palavra. Portanto, a
presciência é a chave da predestinação” (Dave Hunt, Em Defesa da Fé
Cristã, p. 305).
Agora
fica até mais clara a predestinação de alguns para ministérios.
Novamente a base é a presciência, como foi o caso do profeta Jeremias.
"Antes de formá-lo no ventre eu o escolhi; antes de você nascer, eu o separei e o designei profeta às nações" (Jr 1.5).
Trata-se
de comissionamento baseado no direito soberano divino de convocar
alguns para serviços específicos. No caso de Jeremias, serviço
profético.
Alguns
dizem que a presciência determina a predestinação. Prefiro
conjecturar em minhas limitações humanas que pré-conhecimento e
predestinação são dois atributos que coexistem num só ato de Deus.
Nos
próximos artigos veremos que há uma profusão de versículos no AT e NT
que mostram explicitamente a responsabilidade do homem em rejeitar ou
receber a salvação em Cristo. E como a livre escolha humana não
compromete a soberania de Deus. Os versículos são numerosos.
Lamentavelmente a religião opta pelos versículos em menor quantidade e
mais difíceis para alimentar heresias pertubadoras que não se
apresentam como tais. Para os princípios essenciais da palavra de Deus
não deve haver democracia. Entre dois posicionamentos antagônicos
concernentes a salvação, um é verdade e o outro é mentira. Desnudar
para desconstruir o que historicamente se apresenta como esquema
explicativo da verdade sendo ao contrário uma mentira é uma
necessidade.
Em Cristo que nos liberta das vacas sagradas das teologias humanas para vivermos sem os fardos religiosos adoecedores.
Por Sandro Moraes
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